10 Regras de Ouro em Gestão de Crise

10 Regras de Ouro em Gestão de Crise

Hoje poderíamos dividir as empresas em dois grupos: as que estão habituadas a enfrentar crises, porque já operam atividades de risco e as que nunca vivenciaram uma.

O primeiro grupo, em geral, em maior ou menor escala, costuma ter planos de contingência montados, com pessoas previamente escaladas, prontas a atuar no momento em que alguém, também previamente selecionado, “aperta o botão”. Aqui falamos, por exemplo, de acidentes ambientais ou mesmo outras crises que afetam a empresa, um determinado segmento ou grupo social. O segundo grupo é aquele que exerce atividade cuja natureza não oferece riscos permanentes e, por isso, não exige (deveria, mas na prática não acontece) equipe de contingência ativa, pronta para atuar,
ou seja, é um grupo que tem pouca ou nenhuma experiência em gestão de crise.

A situação que vivenciamos hoje é muito extraordinária. É algo que foge a qualquer senso de previsibilidade. Mesmo o gestor com máxima capacidade de planejamento ou o maior especialista em gestão de crise jamais poderia prever algo assim. Se mesmo as empresas com experiência em gestão de crise estão sofrendo, você pode imaginar pelo que estão passando as empresas que nunca atravessaram algo parecido? E aqui não falo de crises econômicas de forma estrita, que todo empreendedor já viveu ou viverá. Estou falando de uma crise que afeta cada canto de cada negócio. Afeta a relação com clientes, afeta as relações entre as equipes, entre chefes e subordinados, escancara as fragilidades das pessoas, os medos, testa níveis de comprometimento, coloca todo mundo à prova.

A Pandemia da COVID 19 trouxe alguns aspectos muito novos, mesmo para quem está habituado a lidar com crises: destaco aqui o isolamento. As grandes empresas já tinham seus sistemas adaptados para acesso remoto. Em algumas delas, o teletrabalho já era uma realidade, ao menos parcial. Mas quantas empresas cuja operação permite trabalho remoto estavam mesmo preparadas para que todos os seus colaboradores, inclusive o
próprio Grupo de Crise, trabalhassem em casa?

Os mais prevenidos, logo que a Pandemia se anunciou, já estabeleceram revezamentos para testar o teletrabalho, entender os entraves e tentar solucionar os problemas que aparecessem. Mas a verdade é que a maioria não teve tempo de planejar nada. Em poucos dias, todos estavam fora dos escritórios, tentando estruturar suas vidas para trabalhar de casa. Gestores e subordinados trabalhando com suas famílias. Quem tinha estrutura para o trabalho doméstico, teve que dispensar e conciliar o trabalho do escritório com o de casa, que não acaba (nunca). Quem tem filhos pequenos, precisa
distrair os filhos em casa e trabalhar ao mesmo tempo. Quem tem filhos grandes, precisa dividir o(s) computador(es) da casa porque eles estudam “on line” e a maioria esmagadora dos brasileiros não dispõe de computadores e nem espaço em casa de forma que cada um tenha o seu. Algumas empresas disponibilizam equipamentos eletrônicos aos seus empregados e colaboradores, mas nem elas tinham equipamentos suficientes e tiveram que priorizar o trabalho de quem exerce função crítica para o negócio.

Além das questões logísticas expostas acima, tem outras novidades: a dificuldade de se concentrar em outro ambiente, tem (e tem mesmo, sejamos francos) o colaborador que se aproveita do momento para fazer “corpo mole” e tem aquele que se mata para mostrar ao chefe que consegue produzir da mesma forma. Tem, finalmente, e muito importante, a equipe de contingência presencial que se arrisca todos os dias para manter
a operação crítica em andamento e que está tensa e com medo. Tem muitas coisas novas.

É compreensível que o primeiro ponto de atenção das empresas que estão habituadas ou não com crises seja a área comercial – a atividade fim -, porque, de fato, ela responde pela receita, que garante a sobrevivência e continuidade do negócio.

Mas tem pouca gente falando de gestão de crise do ponto de vista interno e ela é fundamental para garantir o sucesso das ações externas. É o que chamamos de “atividade-meio”.

Essa gestão interna envolve como estruturar os recursos pessoais e materiais para atender ao comercial na hora da crise. O caixa não é o único problema, embora talvez seja o mais crucial. Nessa hora, todos os procedimentos pré-estabelecidos precisam ser revistos rapidamente, de forma racional e fria. O lema é “cabeça de gelo”. Vejam: eu disse “cabeça de gelo”, e não “coração de gelo”.

Você é o gestor da crise? É sua a responsabilidade de cuidar da contingência? A sua empresa não possui um plano de contingência montado? Então vamos lá.

Cada crise tem sua característica, suas restrições e pontos de sensibilidade, e pede uma resposta e um plano diferente, mas se as bases que descrevo abaixo forem seguidas, a experiência mostra que o caminho fica bem menos difícil:

1 – É necessário criar um Grupo de Crise. Esse grupo precisa conter as pessoas chave no processo decisório da empresa (funcionam como um Conselho) e pessoas com perfil de organização, com velocidade e temperatura para lidar com o momento (executivos).
Esse grupo precisa estabelecer, de forma imediata, um fluxo de comunicação;

2 – É necessário escolher quem vai cuidar dos clientes e quem vai cuidar da estrutura interna. O ideal é que sejam pessoas distintas e que essas pessoas já tenham excelente relacionamento entre si. ATENÇÃO! Não há tempo. Escolha pessoas que conheçam a fundo o negócio e a estrutura interna, respectivamente, e que já se relacionem bem. O momento é de “stress” e, mesmo entre pessoas que costumam se relacionar bem, você já
vai ter que mediar conflitos. Não dificulte sua vida nesse momento;

3 – O ideal é que essas pessoas já sejam os responsáveis por essas áreas em condições normais, mas, no momento da crise, não há nada de errado em você destacar alguém que preencha os requisitos acima e que você ache que tenha mais perfil para lidar com o momento. Os melindres e vaidades precisam ser postos de lado;

4 – Ambas as pessoas precisam ser boas em comunicação. A comunicação clara, direta, eficiente e rápida é a chave para manter os destinatários conectados e comprometidos com a informação transmitida;

5 – As pessoas escolhidas para centralizar o relacionamento com os clientes e com a estrutura interna precisam definir prioridades, apresentar um plano de como pretendem lidar com a situação e estabelecer um período de tempo comum para esse plano, que vira a Bíblia da contingência. Esse plano é aprovado pelo Grupo de Crise. O plano é dinâmico e precisa ser modificado à medida que os fatos mudam e deve ser divulgado sempre pelos mesmos canais de comunicação;

6 – Mesmo que de forma desburocratizada, qualquer informação, antes de divulgada interna ou externamente, precisa passar por revisão do Grupo de Crise, composto por pessoas que não estejam exaustas da carga operacional. Ninguém é “super-herói” e mesmo as pessoas mais competentes, humanas que são, erram ou esquecem pontos;

7 – Muita atenção sobre a forma de lidar com eventuais erros das pessoas na operação nesse momento. Você precisa entender que embora possa exigir mais atenção, foi você quem escolheu essas pessoas e embora elas precisem do emprego, nesse momento, você precisa mais delas do que elas de você. Isso não é ser refém das pessoas, mas ter inteligência emocional para lidar com gente, que, como você, também está confusa com o que está acontecendo. Se você escolheu alguém e essa pessoa, seja lá por que motivo
for, está errando muito, simplesmente afaste ela da gestão da crise e, depois que esse período  passar, você verifica se a crise mostrou que ela não é competente ou se ela só não lida bem com o momento. O erro de avaliação foi seu, a escolha foi sua, lembra?

8 – Seja empático, mesmo, e principalmente, nesse momento. Essa é a hora que a liderança se mostra. Destruir a autoestima das pessoas não é prática de gestão recomendada em nenhuma circunstância. Nunca. Sabemos, no entanto, que alguns gestores ainda são adeptos de práticas que vou descrever aqui como “intimidadoras” para (supostamente) incentivar a produção ou a performance. Isso, além de ser cruel, é um baita tiro no pé: a pessoa sem confiança não se acha capaz de fazer nada e, se isso
atrapalha a produção em qualquer circunstância, imagine agora!

9 – Manter a operação durante um período de crise é um desafio e tanto. Escolha quais brigas comprar nesse momento. Em condições normais, se você é um gestor mais controlador, detalhista, que olha tudo, corrige tudo, fiscaliza tudo, nesse momento, vale escolher o que criticar. Esse critério deve ser baseado no que a sua não intervenção oferece de risco à operação. Sua tarefa agora é manter a operação nos trilhos e guardar energia para o que é importante. Não precisa ter medo de perder o controle se não
continuar agindo como sempre agiu. Aliás, se você não controlar tudo do jeito que sempre fez e a equipe continuar bem, a crise terá  mostrado que você fez um excelente trabalho como gestor. Se não, é sinal de que, quando tudo passar, você precisa repensar sua estratégia de gestão;

10 – Confie nas pessoas que você escolheu e, mesmo nesse momento, estimule que tenham autonomia para que possam te ajudar. Estabeleça com elas critérios de reporte a você, mas não faça com que o reporte dê mais trabalho do que a operação, ou seja, deixe as pessoas trabalharem e não as sufoque com sua angústia.

Esses aspectos, elencados com base em muitos anos de experiência em crises, não minimizam outros e precisam ser adaptados e especificados para o tamanho de cada empresa, para cada tipo de atividade e para o ponto mais sensível de cada uma. O propósito aqui não foi explicar como se faz um plano de contingência ou mesmo especificar seus subtemas mais ou menos críticos, mas trazer uma reflexão geral sobre as primeiras atitudes e sobre o comportamento do gestor diante do momento

Importante destacar que os microempresários e pequenas empresas podem e devem adaptar essas dicas à sua realidade. Seja você o gestor operacional da crise, crie listas de tarefas distintas relativas à atividade-fim e à atividade-meio para separá-las e conseguir organizar as demandas. Além disso, troque ideias com alguém de confiança sobre os aspectos mais sensíveis. Isso funciona como o Grupo de Crise. A diferença é que aqui
você terá vários “chapéus”, mas todos eles precisam coexistir.

Ah, e por último, mas não menos importante: grande parte das dicas acima vale também para a convivência familiar, que nesse momento se transforma numa empresa, mas aqui você não escolhe as pessoas e não pode demiti-las. A crise vai passar e elas vão continuar ali. Cuide delas também.